terça-feira, 22 de março de 2011

Tradução e Jornalismo (Susan Bassnett 2009)


A transmissão internacional de notícias é um fenómeno em que a globalização se torna dependente da tradução, mas onde paradoxalmente esta é muitas vezes submersa pela rápida circulação global.
A tradução é inseparável da prática jornalística, sobretudo ao nível das agências noticiosas
, as quais desenvolveram redes globais que lhes permitem recolher e distribuir informação para todo o mundo de forma rápida e eficaz. Fazem-no, por um lado, através de jornalistas globais, ou correspondentes internacionais, geralmente destacados para postos no estrangeiro por períodos de cerca de comcp anos. Representando a sua sede nacional, estes jornalistas produzem notícias sobre o país em que estão destacados para a língua doméstica de onde provêem, podendo também traduzir notícias de outras fontes noticiosas para a agência que os emprega. Os jornalistas locais, por outro lado, são contratados pelos escritórios e departamentos que as agências mantêm nos diferentes continentes, não estando directamente ligados à sede da agência, escrevem notícias na sua língua materna e traduzem-nas de outras línguas tornando-as acessíveis ao mercado local. Esta estrutura dualista reduz consideravelmente a necessidade de traduções, pois assim as agências noticiosas conseguem minimizar o tempo de circulação de notícias mundialmente, em diferentes línguas e para mercados diferentes.
O trabalho de um correspondente internacional corresponde muitas vezes a uma fórmula instrumental e calculista, equando o correspondente não está familiarizado com a língua e/ou com a cultura do país para a qual foi destacado, a produção de notícias reduz-se à passagem de
informação, sobretudo daquela que se possa obter de falantes de “inglês internacional”, sem que se tenha em conta os sentidos e significados culturais.
O que faz com que a tradução noticiosa seja diferente de outros tipos de tradução? O principal objectivo dos tradutores de notícias é transmitir informação
, sendo que a linguagem utilizada deve ser sempre clara e directa pois traduzem para um público vasto. Por outro lado, traduzem para um contexto geográfico, temporal e cultural específico e trabalham com limitações de espaço e de tempo. Fazem também, geralmente, retroversões e revisões.
Dentro deste contexto, Karen Stetting propôs o conceito de transedição, considerando a transformação das fontes operada por qualquer texto de chegada em jornalismo. Na verdade, o processo de adaptação das notícias ao contexto sócio-cultural no qual serão veiculadas não é muito diferente do processo de edição através do qual as notícias são verificadas, corrigidas e até mesmo modificadas de modo a que fiquem prontas para publicação. Para o jornalista, traduzir e editar geralmente fazem parte do mesmo processo, sendo que a tradução de notícias não tem, de todo, que manter a essência existente no texto de partida, permitindo um papel intervencionista. A objectividade sobrepõe-se à fidelidade, ao contrário da tradução literária, ou seja, o tradutor tem como objectivo principal fornecer informação sobre determinado acontecimento de forma clara e concisa podendo, desta forma, separar-se do(s) texto(s) de partida, recorrer a textos intermediários e fazer as alterações que achar necessárias ao texto de chegada.
A intervenção operada pela tradução e edição em textos noticiosos é passível de ser analisada em termos das mudanças mais frequentes:
- mudança de título e subtítulo
para uma maior compreensão por parte do público-alvo, ou segundo os requisitos de uma determinada publicação
- informação suplementar relativa a contexto cultural
que seja desconhecido do público-alvo
- eliminação de informação considerada desnecessária ou redundante para determinado público-alvo
mudança da ordem dos parágrafos
de acordo com pressupostos de relevância num novo contexto ou publicação
- condensação
Estas mudanças associam-se, portanto, a critérios de relevância e grau de conhecimento contextual anterior por parte do público-alvo. 
As alterações que podem ser efectuadas durante a tradução criam um novo texto destinado a funcionar como notícia para um público diferente, com uma língua diferente, pelo que no campo da tradução noticiosa não existe um dever de preservar a essência do texto original, nem de o traduzir nos mesmos moldes do original.
A equivalência ou sentido equivalente aplica-se nas traduções de textos culturais; no caso das notícias que são consideradas textos práticos este critério não se aplica porque são sempre susceptíveis de serem alteradas. O texto muda segundo uma alteração de ponto de vista que tolhe este conceito de equivalência
Cada género possui um modo específico de ser traduzido. Os textos jornalísticos podem ser divididos em textos de género informativo (as informações noticiosas, que contêm descrições factuais de acontecimentos), género interpretativo (as reportagens, nas quais a informação é seleccionada, interpretada e narrada pelo jornalista) e género argumentativo (os artigos de opinião nos quais o estilo pessoal do autor prevalece). Os textos de género informativo, nos quais o estilo pessoal do autor é reduzido ao mínimo, permitem ao tradutor uma maior intervenção e alteração do texto original; em contraste, os textos de género argumentativo não dão ao tradutor muito espaço para fazer alterações, pois este deve ser o mais fiel possível ao texto de partida, mantendo o estilo pessoal do autor. A tradução do género argumentativo é a que mais se aproxima da tradução literária.
A construção de textos noticiosos rege-se normalmente pelo “método da pirâmide invertida”, obedecendo a princípios de rapidez e hierarquia, ou seja, os elementos da notícia devem ser escritos em ordem decrescente de importância para que a informação crucial venha primeiro e seja desenvolvida nos parágrafos seguintes com adição de informação secundária.
A pirâmide invertida permite que a notícia seja dividida em bocados que podem funcionar independentemente para que se possa facilmente alterar a sua ordem conforme o objectivo que se quer atingir.
O papel da tradução na produção de notícias é invisível, não só por causa da necessidade de adoptar uma estratégia que valorize a fluidez e esconda a sua intervenção, mas também devido ao facto da tradução ter sido integrada no jornalismo.
Trabalho por: Filipa Farrolas, Jorge Figueiredo, Mafalda Florência e Nuno Silvério

4 comentários:

  1. Temos aqui um dos grandes dilemas da tradução: a tradução não ter de ser fiél ao texto de partida. No meu prisma tem de ser fiél, uma vez que a liberdade na tradução abre a possibilidade do controlo das massas num sentido não desejavel, como, por exemplo, a notícia da morte de Bin Laden, cujas traduções libertas de fidelidade viram cada vez mais o mundo arabe contra o ocidente e vice-versa. Isto, por exemplo, a mudança de ordem dos parágrafos transmite importancias diferentes dentro da mesma notícia e consequentemente interpretações diferentes da mesma.
    Concordo, contudo, na inclusão de dados explicativos que facilitem a compreensão da notícia.
    Sandra Santos

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  2. O jornalismo é como um organizador de perfis culturais na sociedade e a tradução é uma representação cultural de factos noticiosos, especialmente quando as notícias transitam em ambiente internacional. Essa mobilidade resulta em deslocamentos de enfoque, configurando tanto jornalismo como a tradução do facto noticioso, ou seja, sua representação cultural.
    No meio jornalístico, a tradução é normalmente relegada ao que se chama de tradução consensual, ou seja, a tradução pelo sentido, cuja prática é sempre muito presente em termos jornalísticos. Muitas vezes, o jornalista assume a posição de tradutor, considerando-se que uma eventual contratação de profissionais tradutores tem custos e requer algum treino na prática de redação razão pela qual, somente grandes emprensas tendem a contratar tradutores profissionais. Na grande maioria das vezes, é o próprio jornalista quem exerce essa “função”, bastando para isso conhecer o idioma estrangeiro em questão e ter realizado alguns trabalhos com sucesso, isto é, ter traduzido corretamente, sem ‘alterar’ou ‘distorcer’ a informação. Explica-se, desse modo, a tradução consensual, aquela que se propõe objetiva, imparcial e neutra no relato do facto jornalístico, como convém aos princípios éticos que regem os jornais.
    O acto tradutório é caracterizado como um processo de comunicação intercultural, que envolve três agentes principais: o Emissor (autor), o Tradutor (mediador cultural) e o Receptor (leitor). A acção conjunta desses agentes determina que: todo texto (seja ele o original ou o texto traduzido) está inserido em uma situação comunicativa, é concretizada somente quando o leitor recebe (lê) o texto.
    Os textos jornalísticos são assim considerados textos comunicativos e informativos, pois são textos autênticos, em contexto com a situação real e voltados para um público leitor específico dentro da realidade dos Média.

    Iolanda Reis nº 41256

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    1. Prezada Iolanda Reis, agradecemos a menção feita as nossas pesquisas realizadas na Interface Tradução-Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. Aproveitamos e citamos a fonte dos trechos citados, caso alguém se interesse em ler/conhecer nossos trabalhos. O conceito de Tradução como Representação Cultural é de autoria da Profa. Dra. Meta Elisabeth Zipser, coordenadora do grupo de pesquisa TRAC – tradução e cultura, da UFSC, em tese desenvolvida na USP: ZIPSER, Meta Elisabeth. DO FATO A REPORTAGEM: AS DIFERENÇAS DE ENFOQUE E A TRADUÇÃO COMO REPRESENTAÇÃO CULTURAL. Tese apresentada ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. O download pode ser feito no site: http://www.pget.ufsc.br/publicacoes/professores.php?autor=10 ou se alguém preferir pode entrar em contato conosco pelos e-mails: Hutan (Doutorando em Estudos da Tradução) hutandion@gmail.com; (Profa Dra. Meta Zipser) metazipser@gmail.com; (Silvana, Dra Estudos da Tradução) sil.ayub@gmail.com .

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  3. Prezada Iolanda Reis, agradecemos a menção feita as nossas pesquisas realizadas na Interface Tradução-Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. Aproveitamos e citamos a fonte dos trechos citados, caso alguém se interesse em ler/conhecer nossos trabalhos. O conceito de Tradução como Representação Cultural é de autoria da Profa. Dra. Meta Elisabeth Zipser, coordenadora do grupo de pesquisa TRAC – tradução e cultura, da UFSC, em tese desenvolvida na USP: ZIPSER, Meta Elisabeth. DO FATO A REPORTAGEM: AS DIFERENÇAS DE ENFOQUE E A TRADUÇÃO COMO REPRESENTAÇÃO CULTURAL. Tese apresentada ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. O download pode ser feito no site: http://www.pget.ufsc.br/publicacoes/professores.php?autor=10 ou se alguém preferir pode entrar em contato conosco pelos e-mails: Hutan (Doutorando em Estudos da Tradução) hutandion@gmail.com; (Profa Dra. Meta Zipser) metazipser@gmail.com; (Silvana, Dra Estudos da Tradução) sil.ayub@gmail.com .

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